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Fraternidade – da Índia ao Mar Vermelho

quarta-feira, 9 março, 2011 @ 12:07 am

RallyVascoDaGama

Até que enfim recebi noticias do comandante Aleixo Belov. O veleiro-escola Fraternidade e sua tripulação chegaram em segurança ao porto de Áden, no Iêmen. Ainda faltam mais de 150 milhas de um “mar infestado de piratas com as margens em chamas” para o velho lobo do mar entrar do Mar Vermelho.

Aqui vai o empolgante relato da Índia ao Mar Vermelho.

Passei praticamente dois meses em Coxim, na Índia, esperando a formação do Rally Vasco da Gama, organizado por Lo, um experiente navegador holandês, que estava fazendo isto pela quinta vez. Vieram barcos de lugares distantes e foram se juntando, até que no dia 18 de janeiro o rally partiu com destino a Goa, um grade centro turístico na Índia, cheio de hotéis na praia infestados por gente dos mais diversos lugares do planeta.

GoaAleixoLygiaLygia chegou e matamos a saudade. Chegamos a ficar num hotel por três dias para ter mais privacidade e só então ela foi embarcada. Visitamos praias, cachoeiras, a parte antiga da cidade fundada por portugueses. Lygia esteve comigo na Índia na segunda volta ao mundo, quando ela fez o trecho de Bali a Áden. De Goa seguimos para Jaigarh, uma pequena cidade de pescadores encravada no pé da montanha, cheia de mesquitas, onde passamos um dia antes de seguir para Mumbai, ou Bombai para os ocidentais, que é o grande centro industrial e econômico da Índia. Com Lygia e Gloria Camila, uma polonesa, já éramos cinco a bordo. Mas, de Mumbai em diante voltaríamos a ser apenas três, Aleixo, Osvaldino e Taís. Lygia estava voltando para trabalhar, depois de termos vasculhado Mumbai de todo jeito, a Belov Engenharia estava em uma fase de muitas mudanças estruturais e precisava dela junto aos demais sócios, mas foi prometendo voltar no Mar Vermelho. Eu mesmo não queria arriscar nós dois na área da pirataria. O que seria dos filhos e da empresa. Gloria Camila desembarcou, pois estava com problemas de visto.

Lygia pegou o taxi à noite, depois de uma despedida prolongada, deliciosa e dolorosa ao mesmo tempo. Seu vôo era às quatro da manhã, e eu fiquei mais uma vez sozinho. Pela frente eu tinha mais de 2000 milhas de águas infestadas por piratas, incertezas e tantas duvidas. Não sabia se tinha tomado a decisão certa indo pelo Mar Vermelho. Caso tivesse ido pelo Cabo da Boa Esperança, já poderia estar chegando no Brasil. Mas, a vontade de juntar o Brasil a Ucrânia me fez escolher este caminho que retardou a minha volta, duvidosa a esta altura, para mais dez meses.

O rally saiu de Mumbai já em forma de comboio. Cada um dos onze barcos em seu lugar, com uma distancia preestabelecida, que aumentava um pouco a noite para evitar colisões. Lo entrava em contato com as organizações que acompanhavam ou ajudavam a combater a pirataria, telefonava do mar todo dia dando a nossa posição e colhendo dados sobre os últimos ataques. Ficou sabendo que os piratas já estavam atacando nas proximidades da Índia, o que nos obrigou a ir primeiro para o norte antes de atravessar para Omã. Assim, fomos obrigados a nos meter em águas do Paquistão, depois em águas do Irã, atravessando a entrada do Golfo Pérsico, fugindo das regiões onde os piratas tinham acabado de seqüestrar um petroleiro, para só então chegar a Sur, em Omã.

Sur não era porto de entrada, mas mesmo assim nos forneceu diesel pela metade do preço. Sem querer, fomos parar no Oriente médio.


EncontroPirata

Em pleno deserto, sem uma só arvore, uma só folha verde, cresce uma cidade sem favelas, super controlada pelo governo, com casas bem acabadas, mas de arquitetura própria. Eles não produzem nada além de petróleo e um pouco de tâmaras, andam com túnicas brancas que vão até o chão e rezam cinco vezes por dia. Passamos ai três dias e seguimos adiante.

AleixoAdenMulheresPara fugir dos piratas, às vezes, ficávamos até a uma milha e meia da praia, mesmo durante a noite. Dizem que os piratas não encostam muito em terra, com medo de serem flagrados pelas patrulhas da marinha local. Como sou navegador de fundo, tive muita dificuldade de me adaptar às novas necessidades. Às vezes, queria pedir a Lo para se afastar mais, mas logo veio a noticia de que seqüestraram mais um navio e um veleiro americano com quatro tripulantes que estava talvez a 150 milhas de nossa posição. Logo em seguida pegaram mais um navio, e por ultimo um veleiro dinamarquês com quatro adultos e três adolescentes. Imaginava o sofrimento do pai, ao ver que levou os filhos a este fim trágico. Chegou também a noticia de que os americanos pediram socorro, um navio patrulha americano capturou o barco mãe dos piratas e encostou no veleiro para resgatar os reféns, mas não deu certo. Os piratas, desesperados, mataram os quatro americanos. Enquanto tudo isto acontecia, avançávamos dia e noite, a vela e motor, sem parar, até chegar a Áden, no Iêmen.

Chegar em Áden deu um alívio muito grande, mas a novela não acabou. Ainda faltam 150 milhas de águas perigosas. Águas do golfo de Áden, tendo o Iêmen pelo norte e nada mais que a Somália pelo sul. O perigo continua inclusive na entrada do Mar Vermelho e só vai reduzindo daí em diante.

AdenAleixoA chegada em Áden também não foi fácil. Os protestos que começaram na Tunísia e se espalharam por mais de 10 países árabes pedindo a saída dos presidentes, os mesmos a 30 ou 40 anos, que derrubaram o presidente do Egito, ou causaram 800 vitimas na Líbia também chegaram aqui, ainda que mais brandos. Recebemos um cartão que dava acesso ao porto, recomendando que ficássemos sempre aqui por perto, por questões de segurança.

Olhando este quadro, chegamos à conclusão de que navegamos por um mar infestado de piratas com as margens em chamas. Infelizmente, é só o que tenho a lhes dizer.

Clique aqui para a série de posts sobre Aleixo e o veleiro-escola Fraternidade.

4 Comentários leave one →
  1. Epifanio permalink
    quarta-feira, 9 março, 2011 @ 10:16 am 10:16 am

    Hélio,

    Desde janeiro que estava apreensivo por notícias do Aleixo. Cara, que loucura ir pra essa região efervecente! E ainda querendo vocês como tripulantes……nunca! Deixa atravessar o canal de Suez pra vocês engajarem.
    No mais, saudades de todos vocês e tocando a vida por aqui.
    Grande abraço e bons ventos sempre.

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    • sábado, 2 abril, 2011 @ 4:03 pm 4:03 pm

      Epifanio,

      Como você já leu aqui no blog, embarcamos amanhã para encontrar o comandante Aleixo. Sé é efervecente, como Aka Seltzer, eu tomo pra melhorar a azia…
      Saudades também e bons ventos sempre,

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  2. quarta-feira, 30 março, 2011 @ 5:01 pm 5:01 pm

    Sou amigo do aleixo belov, ha mais de 60 anos, a ultima vez que o vi em Salvador foi no dia 29. 04. 2005. Acompanho todas as mansagens dele desde janeiro de 2010, mande abraços Benny

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    • sábado, 2 abril, 2011 @ 4:05 pm 4:05 pm

      Benny,

      Bem vindo a bordo.
      Mais rápido do que você imagina, farei teu comentário chegar ao velho lobo do mar.
      Bons ventos sempre,

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